domingo, 23 de dezembro de 2007

A Janela (foto Abstrakt Algebra)

.




Paulo era ranzinza, mal humorado.Parecia carregar o desgosto do mundo nas costas.Por vezes ouvira seu colega de trabalho dizer:
___Relaxa.Já experimentou olhar o amanhecer? O canto dos pássaros? O pôr do sol? Abra a janela da vida meu caro!
___Isso é coisa de quem não tem o que fazer.Ou de quem enlouqueceu de vez, prefiro entrar para o Partido Verde...E seguia assim, xingando a mãe do mundo.Era segunda-feira. O dia conspirava contra ele. Odiava as segundas-feiras.
___Merda! Ele havia levantado às pressas e escorregou no skate que o filho mais jovem esquecera no corredor. Caiu de frente para a janela, estava precisando ser pintada.Por um momento lembrou do amigo:" Abra a janela...". Abriu.
De cara viu os carros passando numa correria desenfreada.Buzinas e xingamentos: "Barbeiro". Uma freiada brusca. Uma mulher quase fora atropelada.Mais na frente uma propaganda de cuecas, um enorme modelo quase nú desfilando num outdoor.Mais uma freiada brusca:" Vá pra casa motorista de fogão!" Uma mulher havia ultrapassado o sinal vermelho.
É...Com certeza os pássaros tinham fugido junto com toda a paisagem.
Ele fechou a janela com força e olhando em direção à cozinha gritou:
___ESSA PORRA DE CAFÉ SAI OU NÃO SAI???

Me Morte

Quem matou o elemento?

.




Cinco da matina, a favela parecia morta, nem os olheiros do tráfeco estavam acordados, deviam ter mamado todas durante a noite.
Um elemento descia do morro, andar manso, jeitão de quem vai aprontar, viu uma morena de olhar 171 e disse:
-Aí ô vadia, chega junto.
-Olá amor, que tu manda?
-Táis afim dumas paradas aí?
-Tô dura meu.
-Pô! Tá me estranhando o piranha? Mina gostosa neguinho banca.
-Ai, que amor...
-Podes crer...
-Pa, pa, pa...Três tiros secos, um bem no meio do peito e o sujeito caiu mortinho no chão.
O crime prescreveu e nunca acharam o assassino. Quem matou o sujeito?
-Sei lá meu.
-Fui eu xará. Mexeu com mulé minha eu coloco sete palmos de terra em cima. Ou não me chamo Detetive Escopeta.
-Ah...Conta outra. Tu aposentou cara, não mata nem uma mosca!
-Sério...
-Escopa! A pia tá cheia de louça...Preciso lembrar você de suas obrigações?
A mulher olhava os amigos com cara de pouca conversa.
-É...Bons tempos aqueles. -"Já vou benzinho, já vou..."






Me Morte
(foto de Ricardo "TattooDevil" da Costa)

domingo, 2 de dezembro de 2007

Baú


-Estão dizendo que a casa é assombrada...
-Não acreditou numa besteira dessas, acreditou?
Meu noivo havia pegado a chave na imobiliária, precisávamos alugar uma casa urgente. O casamento era no próximo mês e ainda não tínhamos onde morar.
-Por que o cara da imobiliária não veio com a gente?
-Ora meu amor. Ele confiou na gente, tinha outros compromissos, só isso.
Abrimos à porta da frente e ele entrou para me passar confiança.
-Venha Ana Elisa. Não há nada aqui, olhe.
Entrei e em alguns minutos esqueci totalmente dos rumores de assombração.
-A casa é linda! Olhe, uma lareira.
-Já pensou a gente namorando ao pé da lareira no inverno? Marcos me olhou com o olhar carregado de desejo.
Em dois dias fechamos o contrato e começamos a mobiliar.
-Amor. Amanhã não poderei vir. É final de mês, trabalho até tarde. Se quisermos nossa lua de mel na praia tenho que deixar tudo certo na empresa.
No dia seguinte, bem cedo, estacionei na garagem da nova casa. Precisava acertar os últimos arranjos, o pessoal da loja ia entregar nosso jogo de quarto, queria escolher as melhores roupas de cama, afinal íamos estrear uma vida a dois ali.
Foi quando ouvi uma voz me chamando. Parecia minha mãe.
-Ana Elisa. Suba aqui, por favor.
-Mãe? Minha mãe ali? Como ela tinha entrado? A chave estava comigo. Minha mãe não sabia que tínhamos alugado a casa. Será que Marcos havia contado e esquecido de comentar?
-Aqui em cima. Depressa. Socorro!
Subi as escadas correndo e percebi que a voz vinha do sótão.
-Mãe... Está aí em cima? Subi a escada estreita e abri a pequena porta que dava acesso ao topo da casa.
-Aqui...
-Onde? Onde está você? O sótão estava vazio e só havia um baú num cantinho, meio escondido.
-Aqui. No baú. Venha rápido.
Eu senti um calafrio, mas não tive dúvidas, era minha mãe. Corri até o baú e o abri.
Era enorme e estava cheio de bonecas de pano.
-Mãe...? Uma das bonecas chamou minha atenção. Seu vestido era lilás e seu rosto parecia muito com o de minha mãe.
Peguei a boneca e fiquei admirando. Tive a nítida impressão que a boneca sorrira.
-Ora. É só uma boneca. Joguei-a para dentro do baú e quando ia fechar a tampa senti dois braços fortes me empurrando para dentro da caixa. Foi tudo muito rápido e desmaiei.
O som vinha de muito longe. Parecia a voz de Marcos. Tinha mais alguém com ele.
-Fica tranqüilo meu filho. Ela vai aparecer.
-Dois dias Dona Luiza. Dois dias sem dar notícia.
Era a voz da minha mãe. Estava escuro. Parecia que eu estava em um lugar trancado, sem luz, sem ar. Tentei gritar, mas a voz saiu fraca.
-Marcos! Estou aqui. Ajude-me! Não conseguia identificar o lugar onde estava. A voz do rapaz parecia se distanciar. Tinha que reunir todas as minhas forças.
–SOCORRO! Marcos! SOCORRO!
Foram gritos alucinados. Perdi a conta de quantas vezes gritei por socorro. Foi quando levei um susto: O telhado se abriu e um rosto enorme apareceu. Quase enfartei de susto. Parecia um gigante... Minha voz sumiu na garganta. Fiquei paralisada. Era Marcos e minha mãe.
-Ora Dona Luiza. Aqui só tem bonecas de pano. Eu não disse que era só sua imaginação? Saíram e desmaiei novamente.


Me Morte
(foto de Augusto Peixoto)